Ou muito piores
A China é um país e o pior de dois sistemas — o capitalismo selvagem nunca se deu tão bem como sob a opressão comunista. O documentário centra-se na Apple por ser a marca mais valiosa e visível do Mundo, mas não há nada que venha da China que não seja fabricado nestas condições ou muito piores. Desde telemóveis da Samsung (e todas as marcas), passando por calçado, vestuário, alimentação (no caso dos EUA) ou enfeites de Natal (como no link que publiquei há pouco).
É penalizante que a Europa, após centenas de anos de guerras e lutas brutais para alcançar um determinado patamar civilizacional (parece uma contradição de termos), deite tudo a perder com esta decadência imparável. Se há uma lei do trabalho ou se existe uma lei ambiental, devia ser indiferente o local onde é fabricado o produto. Seja em solo europeu, seja em solo chinês, se é para vender na Europa, com marcas europeias, as condições deviam de ser as mesmas. Sejam as condições de trabalho, ou a existência de metais pesados nas tintas.
Há uns anos, em discussões noutros blogues (não vou dizer nomes, mas tipo o Blasfémias), aprendi que era muito importante o assalto à China e da China ao Mundo — para tirar milhões de chineses dos campos. Diz que também é uma conquista civilizacional em si mesma!
Não deixa de ser verdade que existe um pulsão para sair do campo e não é só na China. Normalmente quem fala a favor do campo, está na cidade a debitar ideias num teclado, como eu. Parece que o trabalho de partir as costas de Sol a Sol a troco de quase nada e ao sabor dos caprichos naturais, não atrai assim muita gente. Mas por outro lado, só entendo que se trabalhe na Foxconn por uma questão de sobrevivência. Porque se haveria de passar por aquele inferno, por uma situação de escravatura voluntária, para ter coisas?… Eu tenho coisas, todos temos coisas, os chineses também querem ter coisas e vão trabalhar para a Foxconn, para poderem ter coisas?
Só há uma forma de contrariar esta tendência que é ter menos coisas. Consumir menos. Mas da forma que tudo está montado, ninguém espere por um grande auto-controlo nem individual nem das massas. O livre arbítrio só funciona no contexto certo e previamente preparado. Ora, está tudo previamente preparado é para se fazer exactamente o inverso e consumir cada vez mais. Ninguém pode argumentar que a estratégia não esteja a resultar em pleno. Assim sendo, a Foxconn tem talvez um milhão e meio de funcionários e daqui a uns anos terá três milhões. Não haverá documentário da BBC que altere esse facto.
Uma espécie de declaração de interesses: Utilizo produtos Apple pelo menos desde 1994 e antes utilizava NeXT (que foi adquirida pela Apple e em última análise permitiu a existência do que a Apple tem hoje). Continuo a gostar da Apple e se não existisse, seria bem mais infeliz a utilizar o lixo da Dell ou da Samsung, fabricado exactamente nas mesmas condições (para não dizer bem piores). Dito isto, o culto desmiolado que se observa cada vez que sai um produto novo, é o tipo de atitude humana que me enoja o mais possível. Antes os animais.
Ir dormir para a porta de uma loja, filas sem fim, gritos histéricos e aplausos, danças patéticas e a sacrossanta imprensa a dar conta disso tudo, mete-me nojo e nem sei como dizer isto de outra forma. Não contem comigo para fiel de nenhuma seita.
Obrigado Paula, pelo link. (Trumbuctu)
Uma resposta para“Ou muito piores”
Eu é que agradeço, José Rui, pela tua não indiferença e a forma como a expressaste.
:)