Árvores de Portugal

Largo do Carriçal

Largo do Carriçal, na Senhora da Hora.

No fim de 2013, sem dúvida mais uma prenda de Natal, fui amargamente surpreendido com o corte de quatro magníficas árvores já muito grandes, futuras árvores monumentais ainda a tempo da minha geração as desfrutar como tal. O que me deixa especialmente perplexo com este caso é tratarem-se de árvores que tinham o seu lugar. Ao contrário da maior parte das árvores urbanas que crescem sempre em cima de alguma coisa e para cima de outra coisa qualquer, estas não. Estavam situadas num largo com moradias a toda a volta que é um cantinho privilegiado da Senhora da Hora e provavelmente do país. Como em virtualmente todos os outros casos, as árvores estavam saudáveis e eram verdadeiramente espectaculares.
Muito se fala das câmaras, mas eu tenho a certeza absoluta que, como noutras situações, isto parte dos moradores. Este é um país que tem uma população que desconhece, teme e odeia as árvores. Se não são as folhas que sujam, é o pólen que nem é pólen mas provoca muitas alergias; se não são as folhas que entopem as caleiras, são os pássaros — esses seres ainda piores que as árvores —, que cagam os bólides que até há pouco tempo, durante a crise, só saíam ao Domingo; se não são as folhas que entopem os bueiros, são os ramos que caem e quase fracturam a cabeça uma pessoa que por acaso nem ia a passar, mas podia ter passado. Qualquer trivialidade manda abaixo uma árvore de quase 100 anos nesta terrinha. Estas não teriam isso, talvez 50 ou 60 anos. Foi um crime execrável, como tenho visto poucos.

Largo do Carriçal

Mais limpo e airoso. Posteriormente foram triturar o que restava e ainda lá estão os restos. As bétulas também já foram devidamente decapitadas.

E foi aquilo que se pode considerar a última gota para mim. Depois de pensar muito no assunto nos últimos anos, acho que devo cessar aqui a minha colaboração com a Associação Árvores de Portugal. Não atingi os meus objectivos meramente pessoais e numa palavra, faz-me mal ter este assunto presente. Se forem árvores abaixo, se possível, não quero saber. É porque alguém lá da zona o quis e assim o merece.
A associação despertou pouco interesse nas raras pessoas que gostam de árvores e nunca teve grande colaboração de ninguém. Dos cinco mentores iniciais, dois desapareceram imediatamente e sem explicação, deixaram-me a mim, ao Pedro e ao Miguel com o projecto. Dos colaboradores angariados para o site, a maior parte escreveu zero textos e publicou zero fotografias. Alguns publicaram um texto e desapareceram. Outros desapareceram depois, incluindo nós os três. O site está morto.
Encontros, simpósios, visitas guiadas, congressos, são muito interessantes, mas não foi para isso que fundei a associação; o simbolismo do sobreiro como árvore nacional é importante, mas não foi para isso que fundei a associação — aliás, sendo o país que é significa zero e logo depois já aprovaram leis que diminuem a protecção ao mesmo sobreiro, que de resto continua a ser abatido sempre que o desenvolvimento da nossa terra se impõe; defender pouquíssimas árvores monumentais do país é fundamental, mas considero que do mal o menos, são árvores já com algum estatuto de protecção e também não foi para isso que fundei a associação; ter um site é importante, o facebook diz que é um prodígio, mas também não foi para isso que fundei a associação; denunciar abates e podas selvagens, de início pode parecer importante, mas são tantos e tão desmiolados, que literalmente não se faz mais nada, é um trabalho a tempo inteiro. Além disso, não foi para denúncias que fundei a associação. Quando a denúncia é feita, já as árvores estão no chão e se não estão, estarão em breve; descobrir e propôr para classificação novas árvores monumentais aproxima-se mais do meu objectivo; o meu principal objectivo pessoal era a defesa pura e simples das árvores urbanas deste país, as futuras árvores monumentais que teimam em não deixar que o sejam. Nem sei como seria possível, mas evitar que elas caiam era o que gostava. Tudo o que descrevi e outras actividades muito meritórias, não sou contra, o que acho é que deveriam caber a grupos de interesse dentro da associação. Foi difícil dividir em “grupos de interesse” um universo de três ou quatro pessoas.

Largo do Carriçal

Esta Bétula plantada de modo inacreditável num local com espaço, também já foi abaixo, o futuro que está reservado a todas.

Largo do Carriçal

Também abatidos dois “chorões”, um dos quais danificado num temporal.

Toda a gente queria (…) Eram árvores muito altas e todos os anos tínhamos que mandar limpar as caleiras duas ou três vezes.

Entretanto, cheguei finalmente à fala com uma moradora do largo. Passo lá várias vezes por semana e mesmo depois de muitos meses, incomoda-me sempre. Vi-a no pátio, dei a volta ao carro e fui lá falar com ela absolutamente preconceituoso, mas disposto apenas a ouvir. Uma senhora dos seus 60 anos que me diz simplesmente o seguinte:
— Toda a gente queria, mas não sei porque as deitaram abaixo… julgo que ninguém pediu. Foi a câmara que naturalmente decidiu. E com razão… Sabe o que é? Eram árvores muito altas e todos os anos tínhamos que mandar limpar as caleiras duas ou três vezes. E agora já ali estão duas que parecem da mesma espécie… vamos ter o mesmo problema. E estas (referindo-se às Bétulas) também deviam ter sido podadas (já as decapitaram com preceito), porque já estão muito altas. Da câmara ainda não tiveram foi a gentileza de vir arranjar o lugar das três que deitaram abaixo!

Realmente, só trituraram os cêpos e lembrei à senhora que eram quatro e não três. Ainda conversamos sobre a idade que teriam as árvores e concluiu-se que seriam uns 50 anos, não mais. Portanto, como previsto, uma futilidade deita abaixo sem qualquer problema quatro futuras árvores centenárias e monumentais num local com espaço como há poucos. A câmara, gerida e governada pelo povo cumpriu a sua obrigação, o povo está contentinho e de caleiras limpas, mais não se pode exigir. É horrível.

Não vou perder nem mais um segundo a defender árvores nem nada em abstrato neste país. Uma campanha concreta, talvez (como a compra de terrenos da Montis). De resto, se conseguir influenciar alguma coisa num raio de poucos metros à minha volta, ao que vejo, não será mau de todo. Porque, vivemos realmente num Mundo muito triste.

Largo do Carriçal

Às vezes o Mundo moderno tem as suas compensações. Estas vistas retiradas atempadamente do Google não deixam dúvidas sobre a horrível natureza deste crime.

Largo do Carriçal

Largo do Carriçal

Todas as árvores do terreno baldio já foram também abatidas. O terreno continua baldio.

PS: Os meus amigos Pedro e Miguel acham que escrevi este texto num dia chuvoso, que devia ter esperado por um dia mais soalheiro e risonho. Esperei meses e meses antes de publicar e francamente não me parece. Eles sabem que eu sei que a associação fez várias coisas meritórias para além do que mencionei (sobre as quais também deviam ser escritos textos), mas o meu realismo já há muito tempo que não se deixa influenciar pelo estado do tempo e quanto ao pessimismo, mantém-se alto nos dias de Sol e mais alto nos dias de chuva.
Como sabem caros amigos Pedro e Miguel, aconteceu tudo como eu disse que ia acontecer desde praticamente o primeiro dia. Não deixei de gastar o meu dinheiro e mais importante, o meu tempo, por isso. Mas acabou.

Uma resposta para“Árvores de Portugal”

  1. Toda a gente queria + | Quinta do Sargaçal

    […] Toda a gente queria Raramente coloco links para mim próprio, mas a propósito disto no Facebook (trata-se de abate de árvores a pedido, basta contactar a presidente da junta lá do sítio). Há duas razões para o abate desmiolado de árvores por todo o país: o povinho ignorante e detestador de árvores e as negociatas. A segunda, não posso provar porque não sou detective nem jornalista de investigação (ainda há algum?). […]

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